sábado, 7 de abril de 2012

Sobrevoando a quebrada

Por: Alessandro Buzo
www.buzo.com.br

Helio acorda naquela manhã quente de verão, mas não tranquilo, lá pelas dez como de costume. Acordou foi às 8 e meia da madrugada porque a porra de um helicoptero sobrevoava seu barraco, quase levando suas precárias telhas diga-se de passagem.
Abriu a porta e o PM com a metralhadora olhou na bolinha do olho do Helio, esse fez cara de poucos amigos e entrou (deixando a porta aberta) e falando um monte de palavrão.
- Essa porra me acorda e o ganso ainda olha no meu olho. Ser desempregado não quer dizer que você é bandido. É só desempregado.
- Vai pra P...... Q P........
O Helicoptero que busca ladrões que explodiram um caixa eletronico, ouve tiros e perseguição, PM com sangue no olho, uma amigo de farda morreu na ação.
Um dos três carros parou na entrada da favela onde Helio mora no Itaim Paulista, devem ter corrido pelo corrego que tem mato alto, além de muito rato.
O helicoptero estava baixo justamente pra mexer o mato.
Um segundo carro fugiu e um terceiro com dois bandidos, causava outro rebu ali perto.
Eles invadiram um comércio e fazia 2 funcionários e 1 cliente refém.
Helio ainda ouvia o helicoptero ao fundo, mais longe agora....
Bolou um baseado, deu um trago.
Olhou a foto da Rita na parede, a desgraçada fora embora, deixou ele.
Quando casaram, ele trabalhava na Bolsa de Valores, andava de social, conheceu Rita no trem indo e vindo pro Itaim Paulista, ela bonita, trabalhava no Brás de vendedora. Quando o trem saia do Itaim ele pegava lugar (uma luta) e deixava ela sentar, papo vai, papo vem, cinema, escurinho, primeiro beijo.
Casaram 1 ano depois, ele empregado, móveis novos na casa alugada.
Mas tudo mudou três anos depois, quando perdeu o emprego na bolsa, não achou outro tão rápido, ficou mesês desempregado, quando encontrou era bem menos do que ganhava.
Altos e baixos, vários sub emprego até cair no desemprego assumido e passar a viver de bicos na quebrada, ainda tinha a bebida e as drogas, ele cheirava cocaína (parou depois que ela foi embora é bem verdade), agora só o baseado.
Deu outro trago, levantou. Pegou uma garrafa vazia de cerveja e quebrou na parede.
- Foda-se a polícia, a Rita e o mundo.
Tomou uma ducha, colocou uma bermuda e regata, chinelo havaianas no pé, bonê.
Saiu pra rua, viu uma viatura passando na avenida ao fundo, pensou: - Ta moiado, preciso saber o que ta pegando.
Subiu a viela e saiu na rua de cima, pegaria a Rua Nogueira Vioti direto até a Rua da Feira de domingo, em vez de pegar ela, ia pela Barão de Alagoas, ia fechar com um comerciante pra pintar sua porta de aço no final de semana, na verdade já ia pegar o dinheiro da tinta.
Plano na mente, pegar o dinheiro conforme combinado, comprar a tinta, passar no açougue e comprar uns bife que estava comendo pão com ovo faz uns dia. Comprar maconha que acabara de fumar o ultimo baseado.
Mas com esse monte de polícia a boca deve estar fechada.
- Até eu voltar normalizou. Pensou.
Tirando a PM, o resto estava tudo igual. Algumas mães deixavam seus filhos na crechê municipal, o Seu Mauro abriu seu botequinho.
- Bom dia Seu Mauro.
- Cuidado que a polícia ta atrás de VC.
- Devo nada não pra esses pé de breque.
Mais a frente viu um senhora de idade com sacola pesada de mercado. Ofereceu ajuda e deixou ela na porta de casa, era caminho. Ela mora na Praça do chapéu, que é no meio da Nogueira Vioti.
Mais a frente viaturas faziam um cerco, negociação por telefone para os bandido se renderem.
Os que entraram no mato foram presos, dois no corrego e um numa casa no quintal, um quarto elemento fugiu.
Helio não viu essa cena, das prisões, foi depois que ele subiu a viela.
Mas foi no fim da rua da sua casa.
Viu a Dona Bete (já pintou a casa dela), varia a calçada.
- Cuidado viu, ta tendo um rolo de polícia ali na frente, na Papelaria perto da escola.
- Acordei com um helicoptero zuando na minha cabeça, pensa que aqui só tem bandido ?
- Cuidado filho.
Não esperava....
Não estava atento, não era com ele.
Era trabalhador, vendia uma erva de vez em quando, mas só pra reforçar o orçamento, quando tinha trabalho e antes do dinheiro acabar, ele parava com os movi, não queria ir preso e dar esse gosto pra Rita, ela foi embora quando ele não podia mais pagar aluguel e disse que iriam morar na favela, ela deu cartão vermelho: - Vai você, eu tô indo embora.
- Vai sua vagabundo, deve estar dando pra alguém.
Ela foi no dia seguinte, assim que ele saiu, ela ligou pro caminhão e levou TUDO. Só deixou o que não lhe interessava. Entre essas coisas o Helio.
Helio ofendeu ela, nunca havia lhe traído, apesar das cantadas no trabalho e na condução, mas ela não admitia ele em casa fumando maconha e ela trabalhando, passou a guardar dinheiro (o máximo) numa poupança, pensando no dia que daria um fim aquele casamento, não era essa vida que sonhou.
6 meses depois casou de novo, Helio fica puto quando imagina o cara na cama que ele comprou, vendo a sua TV. Mas num batia de frente porque o cara era barra pesada, polícia civil.
Perdeu...... Rita era de outro.
Vagando nesses pensamentos e remoendo essa dor de corno ele nem se ligou que desde que virara a Rua Barão de Alagoas o movimento estava diferente, trânsito interrompido antes, desviando pela rua da feira, gente correndo pra perto e outros pra longe.
O helicoptero de novo, com o bichão passando ele acordou do transe, viu as viaturas.
Só não estava atento pro inesperado. Era a hora da rendição dos dois bandidos, saiam com refens de cobertura. Um se rendeu na calçada e nesse momento o outro miliante viu uma brecha, um vazio de PM´s e a rua interditada, engatilhou sua arma, atirou pra cima e correu. Correu pensando em pular numa casa, invadir outro comércio, desistiu de se entregar.
Tiros não lhe acertaram pelas costas, ele abaixou atrás de uns carros, continuou correndo, Helio viu quando ele surgiu, tentou sair da frente, mas a idéia era pegar ele de refém, atrás de Helio surgiu uma ROTA, o bandido alucinado atirou, a ROTA revidou, o bandido caiu correndo e foi parar em cima dele, tentou tirar mas percebeu que também estava ferido a bala.
Não sabe se do bandido ou da polícia.
O miliante (como disse um PM) foi tirado morto de cima dele, o resgate chegou.
- Melhor vender que ele era bandido também. Ou suspeito. Dizia um PM pra outro.
Nessa hora chegou a Dona Bete, bem na hora do carro da TV.
- Nossa, acertaram o Helio, acabei de falar com ele, é trabalhador.
- Calma senhora, ele está vivo. Dizia um PM
Helio ouvia tudo ao fundo, a Dona Bete, as sirenes, via o resgate fazendo seu trabalho, abriu o olho uma vez.
- Luta filho, luta. Dizia o bombeiro.
Antes de morrer, buscou força e disse sussurando pro bombeiro: - Diz pra Rita que eu amo ela e pro PM do helicoptero que me acordou, que ele me matou.
- Luta filho, luta......
Não tinha mais nada a fazer, Helio morreu no local.
Definitivamente não era uma manhã comum na quebrada.

Alessandro Buzo é escritor
www.buzo10.blogspot.com



PS: Esse conto é inspirado em outro do autor (Alessandro Buzo) que se perdeu no passado.
O original foi escrito no dia que o autor foi acordado com um helicoptero da PM na sua casa no Itaim Paulista.

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