quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Falando em Rogério 157 que foi preso hoje no Rio de Janeiro, publico conto (ficção) que escrevi em novembro, quando estive na Rocinha.

Um dia qualquer na Rocinha
Por: Alessandro Buzo



Bruno, conhecido também como Magrelo, é morador da Favela da Rocinha no Rio de Janeiro, a maior do Brasil.
Mora na comunidade há 7 anos, antes morou no Vidigal, na verdade a casa atual é a décima sétima da vida, tem mania de listar as coisas, desde pequeno morou em 17 casas, 15 com sua mãe e irmãos e duas desde que passou a morar sozinho.
Acordou naquele dia com o reflexo do sol na cara, calor da porra logo cedo.
- Putz, quase meio dia. Se assustou ao ver 11h48 no relógio.
Ligou a TV pra ver o gols do mengão, ganhou ontem, domingo, por 2x1 do Cruzeiro no Maraca, queria ter ido ao jogo, mas uma dureza dos infernos se abateu sobre ele, a uns dias sem dinheiro pra nada, passou final de semana na casa da namorada, que emprestou o da passagem pra ele voltar.
Olhou ao redor e confirmou o que já sabia, sua casa estava de pernas pro ar, precisava dar uma geral urgente, pelo menos um mínimo precisava ser feito, com muita urgência.
Antes, assim que viu os gols no RJTV 1a edição, jogou uma contra a maquina no futebol do XBOX, jogão, 1x1. Torce pra ele mesmo quando joga, grita, xinga.
Abre o computador, geral no Face e email, ver se algum trampo chamou, faz freela de fotografo, seu vídeo game, computador velhinho e sua câmera fotográfica é tudo que tem na vida, além dos seus livros, meia duzia de peças de roupas.
BINGO !!!!
Um email fizendo pra ele passar em Botafogo e receber por um freela que fez de fotos, mas lá só paga com o RG, ele sabe que não adianta ir sem. O problema é que ou ele perdeu, ou está sumido na bagunça da casa, precisa receber pra comprar cigarro, maconha, comida, falta tudo.
Foi passar um café, mas não tinha coador, decide tomar uma água gelada.
- Puta que pariu, nem uma água gelada tem.
Olhou a última garrafa, ao lado do seu colchão, pegou e bebeu um gole, apesar de quente.
Começou uma arrumação a procura do RG, já perdeu com esse, sete RG´s.
Levantou o colchão e saiu pegando copos, pratos e talheres espalhados pelos dois cômodos, juntou na pia a uma louça equivalente a uma montanha. Começa a lavar, sem a louça lavada, qualquer arrumação é em vão.
Quarenta minutos depois, louça lavada como a muitas semanas não se via, desde a última vez que a Bia, sua namorada, esteve lá. Juntou uns livros, colocou nas prateleiras.
Arruma daqui, dali e nada de achar o documento, a fome gritava, comeu seco três bolachas de maisena num pote e duas bolachas recheadas meio murcha num pacote jogado. Precisava por a mão na grana, almoçar arroz, feijão.
Mas acabou não achando o RG, traçou um plano, descer na delegacia do bairro em São Conrado, fazer um B.O. de roubo, pra justificar a perda do documento e evitar a taxa da segunda via, ou oitava via.
Depois que fizesse isso, o B.O. e o pedido de um novo RG, tentar receber com a carteira profissional e o protocolo do RG.
Desceu as vielas da Rocinha a milhão, a descida quando está sozinho é rápida, cada passo pula uns quatro, cinco degrau.
Passou pela boca e pensou que não tinha grana pro baseado, achou uma ponta na arrumação e deu um trago, mas precisava pegar um verde. Na volta, se recebesse.
Chegou na 11a delegacia, usar suas técnicas de teatro, pra se passar por assaltado.
Tudo começou bem.
- Quero fazer um B.O., fui assaltado agorinha mesmo.
- Levaram o que do Sr.
Gostou do Sr.
- Celular, que não valia grandes coisas e minha carteira, com uns trinta e poucos reais e meu RG. Vim fazer o B.O. só pelo RG, vai saber o que o maluco vai fazer com ele.
Senta ali, já te chamo.
Passou dez minutos e nada, até que vem um policial na sua direção.
- Mora onde rapaz ?
- Na Rocinha. Respondeu seco, mas com simpatia.
- Pô cara, você mora na favela e foi roubado na pista ?
- Pro sr. ver como anda as coisas.
O polícia segue.
- Tem passagem na polícia ?
- Com todo respeito, se eu devesse alguma coisa, acha que eu estaria aqui.
- Usa droga ? Fuma um baseado ?
Magrelo preferiu ser sincero: - De vez em quando, em casa, dou uns trago.
O polícia chamou outro PM: - Olha o cara, vem na delegacia dizer que fuma maconha.
-Ta maluco magrelo.
Bruno pensou, como ele sabe meu apelido, respondeu a eles com calma.
- Desculpa, não quis ofender, o Sr. perguntou e eu só respondi, preferi dizer a verdade.
O segundo PM diz: - Quando for assim, você mente. Não fala que usa droga pra um policial.
- Nem fumo sempre, foi mal. Podemos fazer o B.O. ? Fui assaltado.
O primeiro policial indica uma cadeira pra ele sentar.
- Vamos lá, foi roubado onde, como ?
Magrelo pensou que seria clichê dizer que tinha sido um negro, não é preconceituoso e não queria reforçar o estereotipo.
Enfim disse: - Um cara branco, de moto, parou e disse: - Perdeu mané. carteira e celular.
Apontou uma arma.
- Passei pra ele que partiu, disse mais nada. Fui roubado por um branquelo.
- Viu o rosto dele ?
- Não, estava de capacete, lá tem várias câmeras de vigilância, podiam tentar ver a placa da moto. Disse Bruno gastando no teatro.
O PM que digitava o B.O. pensou: - Até parece que alguém vai se dar a esse trabalho, por uma carteira com trinta e poucos reais.
O primeiro PM voltou e disse: - Ai, tu mora na favela, sabe que não pode roubar perto da comunidade, em vez de fazer B.O. você deveria ir reclamar com o Rogério 157. Você conhece o Rogério 157 ?
- Não senhor, nunca ouvi falar.
O segundo PM chega perto dele e diz: - Você mora na Rocinha e não conhece o Rogério 157 ?
- Pô senhor, vocês pediram pra eu mentir, não falar a verdade pra vocês, decide ai, se falo a verdade ou não.
- Essa foi boa, vou aliviar pra você.
O que digitava imprime o B.O. e dá pra ele: - Vamos investigar, taí o seu B.O.
Com o boletim, foi voando pedir uma nova segunda via do RG. Sem ter que pagar taxa.
A fome apertou, passou pelo carrinho da Cida que vende empada a um real na entrada da Rocinha, antes de chegar as vielas que levam pra todo lado na Rocinha é um mar de comércio, vários bares, academia, igreja, puteiro, padaria com pão quente qualquer hora da madrugada. Tem de tudo.
- Cida, me vende três empadas fiado, pago a tarde quando voltar.
- Que sabor.
- Empada de 1 real, ainda fiado, tenho nem direito de escolher sabor, qualquer um serve.
- Ta na mão.
- Obrigado, matou a fome de um trabalhador.
Ela riu. Ele partiu.
Deu entrada no RG novo, mas viu que não daria mais tempo de chegar até 17h em Botafogo. Ligou pra namorada, contou como foi seu dia.
- Tô voltando pra casa, pelo menos ela está arrumada.
- Da um perdido no busão e vem dormir em casa, peguei uma grana, faço uma janta boa e te empresto R$ 50,00 até tu receber.
- Fechou, lá em casa não tem nem água.
Partiu, a Bia era a mulher da sua vida, nunca ninguém se preocupou tanto com ele, voltou de onde estava, já estava dentro da Rocinha, pensando na Bia quase foi atropelado por um dos muitos moto taxi que circulam na favela a mil.
Com o susto, ficou atento e partiu, que dia cheio. Só dar um perdido no bus e cair nos braços de sua amada.
Um dia Bruno pensa em virar escritor e escrever sobre sua vida na favela. Leu em algum lugar sobre uma tal de Flup, que transforma periféricos em escritores, queria isso pra ele, sempre gostou de ler e tem vários livros na sua humilde casa, costuma dizer que uma casa pobre é uma casa sem livros.
Sua casa é só humilde, mas se virar um escritor famoso, duma companhia das letras da vida, ganha um desses prêmios de 200 mil e compra uma casa pra casar com a Bia.
Da sinal e pega o ônibus. Pós graduado em viajar sem pagar, ou como dizem: - Dar um calote.

Alessandro Buzo é escritor, autor de 13 livros.
www.buzo10.blogspot.com
suburbanoconvicto@hotmail.com


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