terça-feira, 7 de dezembro de 2010

GRANDES LIVROS - Resenhas de Jéssica Balbino

Os fabulosos prazeres da periferia
do livro “Guia Afetivo da Periferia”, de Marcus Vinícius Faustini

Recheado de pequenos prazeres, o livro de Marcus Vinícius Faustini é diferente de tudo aquilo que já se leu. É simples. E por ser tão delicado, é delicioso. Mas, falo de uma delicadeza ácida, se é que isso é possível. O “Guia Afetivo da Periferia” é uma viagem interna pela cidade maravilhosa, mas para além dos cenários festivos das novelas de Manoel Carlos, ou sangrentos do estilo favela movie.
O relato ao estilo memória-presente é bem escrito. Poético, crítico e de uma beleza visceral, o livro é comparado a Amélie Poulain da periferia e o leitor percorre, como se fosse ele próprio, os caminhos por onde Faustini viveu e se descobriu.
Lembranças de noites quentes com um ventilador azul ligado, as linhas de ônibus e trens que pegava, os livros lidos, a iniciação na cultura punk, as latas de sardinha e os azulejos amarelos na pia de casa são algumas das coisas que proporcionam ao leitor a sensação de que ele próprio já vivenciou tais citações.
Os namoros com moças fãs de cinema francês, as leituras dentro dos ônibus e trens, as observações dos prédios da cidade e os pedidos de trocados para a mãe, no intuito de comprar doces na venda da esquina são algumas das afeições que o garoto franzino, vítima de tuberculose e calçado com botas ortopédicas brinda os leitores, sejam eles do gueto ou não, numa viagem gostosa e com sabor de saudade da infância.
Quem viveu nos anos 1980 não pode perder o relato, que integra a coleção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano e vem incrementado de várias imagens da época, além das boas histórias.
Fotografias da família reunida na mesa, com uma garrafa de coca-cola comprada na venda da esquina somente aos domingos ou do vídeo-game Atari, que na época fez a cabeça dos garotos são algumas das lembranças que traçam o caminho que o leitor deve percorrer por entre as memórias de Faustini, uma pessoa tão comum a ponto de passar uma noite inteira chorando dentro de um ônibus, por saudade, que é absurdamente encantador.
Não é o tipo de livro que dá vontade de terminar, porque ao chegar no último parágrafo, temos a certeza de que o autor poderia continuar escrevendo a própria história, para sempre, que seria bom ler e compartilhar, afinal, há muita afetividade que une quem escreve e quem lê – porque há vivência sincera e mais, guarda um destino fabuloso.


* Jéssica Balbino é jornalista, escritora e blogueira (www.jessicabalbino.blogspot.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário