sábado, 10 de setembro de 2011

Conto inédito de Alessandro Buzo

O Vendedor de móveis
Por:
Alessandro Buzo


Flavio trabalhou num escritório de advocacia por anos, era uma mistura de Office boy e aux. de escritório.
A advocacia fica no centro de São Paulo, Rua Barão de Itapetininga, Flávio mora em Itaquaquecetuba, grande SP, depois do fundão da zona leste.
Pega trem lotado de manhã e a tarde, além do metrô. Tem vários amigos na condução e sempre vão de boa, zuando.
Mas é cansativo, ainda mais pro Flavio que mora a quase 50 kilometros do trabalho e está no mesmo emprego, na mesma rotina de trenzão a 7 anos seguidos, tempo que está na advocacia.
Mas um dia, foi mandado embora, o escritório mudou pra Rua Silveira Martins na região da Praça da Sê e nessa mudança fez 3 cortes, entre eles o Flavio.
Ele não se abateu, usou a indenização pra dar um acabamento na sua casa, faz 3 anos que casou com a Mônica e tem um filho (Kleber) de um ano e meio.
Quando casou mudou pra Itaquá, antes morou a vida toda no Itaim Paulista.
Flavio ficou 6 mesês desempregado. Tentou de todas as formas arrumar um emprego num escritório, mas como não pintou nada.....
Um dia ele voltava pra casa, antes parou no centro de Itaqua e sacou sua ultima parcela do seguro desemprego.
Parou no bar e tomou 2 cervejas e um rabo de galo.
Estava começando a ficar preocupado, precisa arrumar um emprego de qualquer coisa que aparecer.
Saiu do bar disposto a comprar algum agrado pra esposa Mônica, ele economiza em tudo, por isso que o dinheiro rendeu os 6 mesês de desemprego, ela faz uns bico de vender produtos da NATURA e ainda ajuda no orçamento.
Entre o bar e a loja que ele iria, viu uma loja de móveis chamada Kolumbus e a placa: - Precisa-se de vendedor.
Entrou, fez a ficha, no bate papo com o gerente foi sincero e disse nunca ter sido vendedor, mas falou da nescessidade de arrumar logo um trampo, de como não tem preguiça de trabalhar e nem medo de encarar novos desafios. O gerente foi com a cara dele, lábia ele tinha bastante. Pediu os documentos: - Pode começar amanhã ?
- Claro que sim.
- Então te espero às 8h, traz os documentos.
Flavio saiu da loja feliz, estava empregado, salário + comissão.
Comprou uma bolsa pra esposa e chegou em casa com uma caixa de bom bom e um vinho não tão fino assim, digamos popular.
Mas tomaram e comemoraram. Rolou até um sexo gostoso depois como parte das comemorações.
Ainda por cima Flavio agora vai trabalhar em Itaquá mesmo. Nada de trem lotado.
UM ANO DEPOIS.....
Flavio virou um ótimo vendedor, está sempre entre os 3 primeiros de venda da loja, é um total de 12 vendedores.
Flavio tem o dom pra aprovar a ficha dos clientes, ensina o que eles precisam dizer pra financeira não barrar o crédito, faz tudo por uma venda e o que mais gosta é de vender o KIT MINHA CASA, que é pra quem vai se casar, consiste em vender num pacote TODOS OS MÓVEIS DA CASA.
Assim ganhava até bem, a comissão tem mês que vem gorda.
A esposa passou a trabalhar na mesma praça central da cidade, numa loja de eletro-domestico. A vida melhorou, estão até construindo o quarto do filho.
Flavio vê vários filhos que levam o pai e principalmente a mãe aposentada pra comprar móveis no nome deles, muitas vezes ele percebe que a senhora vai tomar bica da filha, da pra perceber isso, mas entre alertar e fazer uma venda, a venda está sempre em primeiro lugar.
Já teve senhora indo na loja saber se não dava pra ir buscar os móveis de volta e cancelar a dívida porque a desgraçada da filha e o safado do genro não pagaram uma prestação.
- Infelizmente não tem condições minha senhora, os móveis já se encontram usados.
Flavio tem várias histórias engraçadas e tristes.
Uma vez um conhecido foi até a loja, queria sofá, estante, cama nova, mas ele e a esposa são autônomos, difícil aprovar a ficha deles e o valor aprovado não dava nem pra metade dos sonhos de consumo.
- Traz seu pai, sua mãe, faz no nome dele um deles e você vai pagando.
Assim fez o rapaz e trouxe seu pai. O tiozinho é da reserva da PM, foi da ROTA.
Viu os valores, as condições. Chamou Flávio de canto e decretou.
- Rapaz, pra descontar da minha aposentadoria nem a pau, que se meu filho não pagar eu mato ele, faço no carnê, porque ai dele se não pagar as parcelas.
O crédito pra desconto no benefício já estava aprovado, no carnê precisou de um apoio extra do vendedor, disse exatamente o que o Seu Antônio precisva dizer pra que a financeira aprovasse o valor no carnê. Deu certo.
Uns três meses depois Flavio no domingão de folga, foi ver um futebol no campo de várzea da quebrada, trombou quem, o conhecido que tem um pai que foi da ROTA.
- E ai mano, tudo firmeza lá com os móveis ?
- Porra Flavinho, CE num sabe. Aquela vadia num estava no chifrando ? E ainda por cima, depois que eu comprei aqueles móveis ela meteu um negão bandido dentro de casa. Num vou morrer, nem matar por causa daquela vadia, sai fora.
Tentei pegar os móveis mais o maluco lá sacou de uma PT e fudeu, deu perda total pro meu lado.
- E o carnê ?
- To pagando, meu pai me diz um monte sempre que encontro com ele. Nem voltei direito pra casa por causa desse carnê. Quando está em dia eu fico em casa, quando atraza, me mudo pra minha tia, senão meu pai fala 24 horas no meu ouvido.
- Firmeza mano, boa sorte. Disse Flavio saindo fora.
Outro dia foi comer um pastel na feira e quem encontrou, o Seu Antônio.
- Fala seu Antônio.... e o seu filho, ta bem no casamento. Perguntou como quem não sabia de nada.
- Aquele corno tomou galha da mulher, tomou um pé na bunda, é tão sem vergonha que nem os móveis pegou com medo dum negão que aquela rapariga arrumou.
- Sobrou pro senhor o carnê ?
- Ta maluco rapaz, ele ta pagando aos trancos e barrancos, senão mato ele, num é porque é meu filho, meto bala nele, no tempo que eu era da ROTA, num tinha esse monte de vagabundo a solta não, a gente passava a régua, chamava no rodo.
- Acredito, eu fui, boa sorte pro senhor.
Flavio saiu que esse papo de polícia ele ta fora.
Mas tem outras histórias ainda mais triste, uma delas.....
Flavio atendeu um casal apaixonado, ficavam o tempo todo trocando carinhos e beijinhos, ela bonita, a loja toda deu uma olhadinha na morena, ele feliz e nem ai pro olhar da concorrência, iriam casar e entraram ali dispostos a comprar o que anunciava a faixa na porta da loja, queriam um KIT MINHA CASA, todos os móveis da futura casa, cozinha, sala e quarto.
Celso tem emprego fixo, bastante tempo, ganha bem.
A liberação do cadastro foi sem problemas. Flavio era malandro, quando chegava casal querendo o KIT, ele primeiro aprovava o cadastro, pra depois escolher os móveis.
Quantas vezes não era aprovado e ele num tinha perdido tempo. Quando aprovava dava mil atenção, mostrava tudo.
Assim fez com o Celso e a Rita.
Lembrou dele depois, do bar do Claudinho. Na verdade o Claudinho é traficante e tanto o Flavio quanto o Celso as vezes iam lá no final de semana, pegar um pino de cocaína.
Quando ficaram a sós, a Rita olhava os sofás.
- Te ligo lá do Claudinho.
- Pode crê, já tinha lembrado de VC também.
Nessa Rita chama: - Amor, olha esse, é o que eu mais gostei.
- Você decide minha princesa.
Depois desse dia, Flavio trombou o casal, já casado, em duas oportunidades.
Na primeira no hipermercado, Flavio e a esposa fazendo compras e quem surge empurrando carrinho, Celso e Rita.
Conversaram, Rita disse pra Mônica: - Seu marido faz parte da nossa vida, vendeu todos os móveis da nossa casa.
- Que legal. Disse Mônica feliz com a alegria deles e porque o Flavio tinha sido importante pra eles.
Outra vez Flavio estava num barzinho com amigos do trabalho e trombou o casal feliz.
Até cerveja pagou pra ele: - Esse mano aqui vendeu os móveis da minha casa. Disse pro garçom. Quando Rita foi no banheiro deu outro presente pro Flavio: - Ai mano, peguei 3 do Claudinho, fica com um pra VC, presença do amigo aqui.
- Valeu. Até mais, a gente se vê. Disse Flavio saindo fora quando a Rita voltou. Antes de sair passou no banheiro e deu um tiro em meio pino, guardou a outra metade.
Foram os 2 encontros felizes, o tempo passou, uns 2 anos dessa ultima vez no bar.
Flavio entra no mercado pra comprar uma Coca Cola 2 litros, pra almoçar a marmita no trampo com os amigos que fizeram rateio da COCA. Coca de beber gente.
Quando escolheu um caixa mais vazio, quem era a mina que passava umas compras antes dele ? A Rita.
Mais linda do que nunca, num vestidinho que deixava ela maravilhosamente linda. Flavio percebeu, olhou mais disfarçou, nunca foi TALARICO de crescer o zoio em mulher casada.
- E o Celso ?
- Aquele nóia. Disse Rita pegando as compras e saindo.
Aquelas duas palavras ficaram ecoando na cabeça do Flavio: - Aquele nóia.
Nunca mais viu Rita, deve ter arrumado outro marido rapidinho.
Mas o Celso ele viu, uns 6 mesês depois do encontro com a Rita no mercado.
Ele tinha virado LITERALMENTE um nóia. Desandou na pedra de crack.
Flavio estava no ponto de ônibus fumando um cigarro, Celso chegou e disse....
- Descola 1 cigarro ?
Flavio deu e nem olhou direito pro nóia, não reconheceu.
Quando o nóia falou de novo ele reconheceu.
- Tem 1 REAL pra me arrumar ?
- Caraio mano, é VC mesmo Celso ? Que porra é essa.
Celso tentou sair fora, mais Flavio segurou seu braço.
- Como você caiu nessa merda de vida ? Perdeu a mulher, puta mina bonita.
- Ai mano, aquela vida não é mais minha, hoje eu sou esse lixo que você está vendo, passei da farinha pra pedra, pensei conseguir controlar que nem fazia com a farinha, mas fudeu, quando a mulher me deixou, desandei de vez. To saindo fora, arruma 5 conto ai vendedor de móveis, pra eu dar uma paulada ?
- Desculpa mano, qualquer outra ajuda, pra comer, vestir, mas dinheiro pra pedra num vou te dar não.
- Então vai se fude. Disse Celso indo embora.
Flavio ficou triste e uma lagrima até caiu do seu olho.
Vendedor de móveis vende sonhos, mas nem sempre o final é feliz.

Alessandro Buzo é escritor
www.buzo.com.br

2 comentários:

  1. A vida é assim mesmo, triste e lamentável histórias como essa. Conto muito bom, prende a atenção, te deixa ancioso pra saber o final da história. Como já disse anteriormente, vc é um dos melhores, e faz o melhor pra seus leitores. Parabéns Buzão.

    ResponderExcluir