domingo, 16 de janeiro de 2011

Esse tal "ano do rap"...

Por: Gilponês
Fonte: www.centralhiphop.com.br


Há exatos 16 anos, o grupo Sistema Negro, de Campinas, gravou a faixa "O poder da rima" (álbum Bem-vindos ao Inferno), em que o rapper Doctor X dizia: "1994 é o ano do rap". Desde então, quando uma virada de ano se aproxima, diversas pessoas têm repetido tal "previsão". Perdi a conta de quantas vezes ouvi que "o ano que vem será o ano do rap".
Parei para refletir: será que o tal "ano do rap" já chegou e passou despercebido ou será que ele ainda se mantém como uma eterna promessa - sem prazo definido para se cumprir? O que falta para que tenhamos realmente um "ano do rap", de forma indiscutível e incontestável? Aliás, como devemos interpretar o que viria a ser o "ano do rap"? E até que ponto o tal "ano do rap" pode ser interpretado como algo positivo para o próprio rap?
De fato, o cenário musical brasileiro, pautado na grande mídia à base de jabás e modismos tolos, sempre costuma ser marcado por "ondas" - que, depois da arrebentação, costumam trazer apenas mais lixo para a praia musical. Entre outros gêneros e subgêneros, já tivemos o ano da lambada, do sertanejo, do pagode, do axé, do forró universitário e do miami bass (que os desinformados, erroneamente, gostam de chamar de "funk"), entre outros que vêm e vão...
No geral, esses estilos musicais ganharam holofotes com formatos pasteurizados, artificiais e, na maioria dos casos, emburrecedores - "coincidentemente", patrocinados por gravadoras multinacionais. Afinal, a grande mídia não quer reverberar músicas que possuam conteúdo inteligente ou contestador, que mirem as entrelinhas da cultura, que questionem, critiquem, eduquem e instiguem a população a refletir sobre assuntos verdadeiramente pertinentes - papel que muitos nomes do rap ainda cumprem com propriedade.
Será que para termos o tal "ano do rap" ele precisará se modelar de acordo com as "regras" não escritas da grande mídia? Será que vale a pena fazermos qualquer coisa para que o "ano do rap" finalmente se concretize? Será válido esvaziarmos os ideais do rap para que ele seja aceito comercialmente - por exemplo, ao gravar canções que usam o ritmo do rap com letras "rebolativas" que se encaixariam perfeitamente na axé music? Isso não derrubaria o propósito da essência do rap, de questionar os modelos culturais vigentes e manter seu discurso contestador/reeducativo?
Particularmente, não faço nenhuma questão de ver o tal "ano do rap" chegar. Considero isto algo bastante limitador para um gênero musical que já vem transpondo gerações, mesmo que de forma "silenciosa" - vejo mais importância na proliferação do rap pelo anonimato dos flancos periféricos do que pelos palcos do Faustão ou do Gugu, por exemplo. Ao invés de um simples e breve "ano", prefiro que tenhamos décadas, quiçá séculos, do rap - aliás, do HIP-HOP, para ser mais justo e preciso! Assim como até hoje ouço muito soul e funk (de raiz) dos anos de 1960 e 1970, espero que os jovens das décadas de 2080, 2100, 2200, 2500 ouçam muito rap verdadeiro feito no final do século XX e início do século XXI.
Se o conceito de "ano do rap" se refere apenas ao profissionalismo da cena, com a autogestão funcionando de forma plena, gerando empregos e fazendo o dinheiro circular entre os verdadeiros protagonistas do rap, então sou a favor de que esse "ano do rap" chegue logo. Mas não creio que o rap consiga mover milhões (de pessoas ou de R$), como o pagode ou o sertanejo, sem se corromper, sem ter de moldar sua forma e amenizar seu conteúdo para agradar os barões da grande mídia. Diante disso, o que fazer: manter-se independente, mas fiel a seus valores, ou seguir certos padrões (como adotar fúteis letras de axé music) para ganhar espaço nos principais veículos de comunicação?
Em tempo: o equilíbrio é possível. Entre o engajamento e a prostituição ideológica, existe uma opção, um caminho. GOG, por exemplo, é um ótimo exemplo de MC que nunca precisou mudar de postura ou discurso para conquistar respeito com sua música. Ele já provou que é possível sustentar sua família com dignidade, incentivar novos nomes do rap e gerar empregos sem precisar "pegar leve" nas letras ou gravar sons "rebolativos" demais e reflexivos de menos. GOG pode não estar milionário como o 50 Cent ou o Zezé di Camargo, mas com certeza não tem de que se envergonhar pelo que expressa em suas músicas ou pelo que faz nos bastidores. E é referência para muitos MCs das novas gerações.
Seja o "ano do rap" ou não, que venha 2011! Desejo muita LUZ a todos que ainda têm um propósito sincero no hip-hop, que preferem trabalhar mais e futricar menos, que tentam somar e multiplicar ao invés de subtrair e dividir. Um ótimo ano aos agentes culturais que ainda defendem os verdadeiros valores do rap, que não conjuminam com "rebolations" sem propósito e que não trocam seus ideais por 15 minutos de fama. Felizmente, 2010 foi um ano bastante produtivo neste sentido, o que nos traz uma boa dose de otimismo para este novo ano, seja ele chamado de "ano do rap" ou não. E que as perspectivas positivas se perpetuem para todos nós! Muita PAZ a todos/as!!!

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