quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Uma brasileira

Jéssica Balbino*

Lavando roupa, limpando a casa, dando banho no filho, esquentando a janta, pensando no trabalho do próximo dia, aguardando o amanhã...
“Será que algum dia será diferente?”
Na cabeça, algo além do lenço que prende o cabelo chama atenção. Talvez seja o sonho. A esperança. Ou a nova rima que está tentando compor para gravar mais uma música de rap.
Assim é Maria Lucia, uma brasileira, mais uma, do tipo mais comum que existe. Morena, bonita e de cabelo crespo. Pobre.
Foi criada pela avó na periferia de uma cidade do interior de Minas Gerais. Uma criança comum, brincava na rua e cantava na igreja, onde todos diziam que tinha uma voz linda.
Ficou mocinha e casou-se por amor. Apaixonou-se por um homem branco, pobre, humilde e cantor de rap.
Em comum? Eles tinham um sonho. Cantar rap e levar uma mensagem positiva aos jovens do gueto. “Eles precisam de palavras de incentivo para seguir suas vidas correndo pelo certo”, diziam.
Mas correr pelo certo nem sempre era fácil. Assim sentia-se o casal, com um filho de três anos para criar.
Acordar às 4h da manhã e na hora de ir pra cama sentir que o dia não passou é coisa de gente pobre, do gueto, que se sente um nada quando chega o final do mês, nada para comer. Palavras de incentivo alimentavam, dentro da pequena casa nos fundos de um quintal, cômodos pequenos, apertados, aconchegantes, como só as casas da periferia tem.
Mais dia. Menos dia. A mesma coisa sempre. A falta de mistura era motivo de briga. O casal que se amava passava a se insultar. A barriga vazia trazia a desesperança e a fraqueza impedia que a caneta se movesse sob forma de letras e novas composições de rap.
Como milhares de outros casais, esse era só mais um, que durante a brava guerra da sobrevivência tinha que optar por continuar ou por sonhar.
Tão iguais e tão diferentes, cada um resolveu seguir por caminho. De comum eles continuaram compartilhando somente a cama.
Maria Lúcia quis continuar sonhando e de tanto sonhar, se esqueceu de trabalhar, de buscar alguma forma de se alimentar e deixou o filho para o marido cuidar.
Já o marido, que não sabia como era o preconceito do racismo mas sentia o da pobreza, desistiu de sonhar para poder continuar vivendo.
Ambos morreram. Não que eles tenham sido sepultados ou algo parecido. É que um já não sonha mais para continuar vivo e outro de tanto sonhar se esqueceu de viver. E assim eles prosseguem. Mais um casal com filho para criar e uma vida que passa distante do verbo em ação.

* Jornalista, escritora, palestrante e integrante do vol.1 de Suburbano Convicto - Pelas periferias do Brasil !

2 comentários:

  1. belo texto,infelizmente isso acontece muito principalmente em solo brasileiroo.vlw por mais um texto pra mim inspirar.

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  2. Gosto da maneira que escreveu este texto, valeu Jéssica, uma brasileira.

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