segunda-feira, 7 de junho de 2010

A negra Caetana

Por: Samuel da Costa
samueldeitajai@yahoo.com.br

Para Ana Maria da Costa

I
Era quase meio dia, o cansaço e o sacolejar do trem já não incomodava mais, o que mais incomodava, de fato, era sensação de estar em uma viagem sem fim. E a saudades, da terra aonde nascera que apertava o peito, parecia atenuar. E pensar como as coisas estariam indo com seu velho pai, mãe, irmã e amigos? Quando Adamastor de Sousa Andrade, seu velho pai, tinha lhe mandado estudar na capital do país, ele ainda era apenas um guri saído dos cueros. E voltar após estes longos anos longe de casa, intercalados por cartas esparsas e pequenas visitas feito pelos familiares em ocasiões especiais. E quando descera da estação de trem e, notar que pouca coisa por ali tinha mudado, um misto de decepção e alívio bateu fundo em seu ser!
– Ei guri!Quero um cavalo, um cavalo agora mesmo guri! Diz Aureliano de Sousa Andrade para um ‘’negrinho forro’’ ali na estação de trem, um Shakespeare-boy pensou ele, ao relembrar das aulas com o seu professor Aristo de literatura clássica.
– E as bagagens sinhozinho?
– Mando pegar mais tarde ‘’moleque’’, e o Sebastião, não trabalha mais aqui?
– O ‘’nego’’ Tião? Ele morreu sinhozinho!
– Como morreu?
Uma aflição toma conta de Aureliano, e seus olhos azuis de repente perecem querer faltar para fora. E ele sente seu estomago dar um nó. Seu amigo de traquinagens e travessuras de infância, morto? Não era possível...
– Enforcado na praça, o ‘’coroné’’ Adamastor falo que o Tião ‘’robo’’ na fazenda dele sinhozinho!
II
Os olhos verdes reluziam como duas esmeraldas, os lábios carnudos e a pele amendoada realçavam aquela beleza exótica, de pé diante do fogão à lenha foi com um sorriso que ela o recebeu. E o jovem advogado não sabia o porquê de entrar na suntuosa casa pela porta dos fundos. Quem sabe queria fazer uma surpresa, pois todos estavam a esperá-lo somente no dia seguinte. A cena que lhe foi apresentada, mas parecia coisa do destino. Aureliano esperava encontrar a velha escrava Inácia, a negra Naná, sua ama de leite e sua segunda mãe. Mãe dos ‘’cafunés’’ e das histórias da África, com seus amimais fantásticos e guerreiros valentes.
– Qual sua graça?
– Maria da Graça sinhô!
– Não esta curiosa, do por que de um estranho invadir a tua cozinha? A jovem corou de imediato, mas o fato em si não a intrigara, pois Aureliano era muito perecido com seu pai e todos da casa estavam esperando por ele.
– O sinhozinho é filho do coronel Adamastor não é?
– E a Naná, onde ela está agora?
– A minha vó foi vendida no início do ano passado!
– Vendida? Conta-me tudo guria, o que havendo por aqui!Era evidente o tom de perplexidade e desespero na voz do rapaz.
Estupefato, Aureliano escuta os pormenores do que vinha acontecendo na fazenda e cercanias. Pelo que ele entendia dos fatos saídos da boca daquela deusa de ébano. Uma onda de propaganda, abolicionista e republicana, que tinha eclodido no país finalmente chegara ali naquelas paragens. E o coronel Adamastor de Sousa Andrade, parecia comandar a reação virulenta contra ambos os movimentos. Bastava ouvir uns mínimos rumores ou simples boatos para o grupo do coronel agir. E logo o pai de Aureliano comandando um absurdo desses. Aureliano que voltara para casa, com o firme propósito de trazer aquela boa nova para terra onde nascera.
III
O casamento foi simples e discreto, somente para alguns poucos amigos. Entre eles, membros do recém fundado clube republicano e amigos de infância. Se fosse pela vontade de Aureliano de Sousa Andrade não haveria cerimônia religiosa alguma, por ele ser ateu. Mas não pode deixar de fazer a vontade de Gracinha, uma homenagem aos velhos pais dela que já não estavam mais vivos. Aureliano sabia do preço a se pagar, e era alto, casar com uma negra liberta, logo ele sendo filho do coronel Adamastor de Sousa Andrade escravocrata e monarquista convicto. Era romper com o pai em definitivo, em consequentemente com o resto da família e, boa parte da elite conservadora da cidade.
– Tu me ‘’ama’’ Lino?
- Claro amor, claro que te amo!
E era assim quase todos os dias, aquela doce criatura que um dia lhe daria filhos, vivia a perguntar se ele mesmo a amava de verdade. E amava mesmo, aquele diamante negro ainda bruto, que Aureliano de Sousa Andrade teria que lapidar.


Samuel da Costa é contista em Itajaí - SC

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