quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Dia Que Carla Camuratti Achou Um Sorriso - 1° Parte.

Por: Jose Carlos de Alcantara
josecarlospeu@ig.com.br

Vários urubus reviravam o lixo em busca de comida. Às vezes, quandouma pessoa passava muito perto, olhavam de forma ameaçadora. Se alguémse aproximasse um pouco mais, davam pequenos vôos e pousavam algunsmetros mais distante, o tanto quanto pudessem considerar uma distânciasegura. Mantinham suas asas abertas para parecerem maiores e maisameaçadores do que eram realmente. O movimento de ficarem paradosobservando as pessoas com as asas abertas servia, também, parapermanecerem preparados para novos vôos que os afastariam mais algunsmetros de qualquer um que se aproximasse novamente. Carla tinha medo de passar pelo caminho das torres, como era chamadauma faixa regular de terra que tinha grandes torres de energia e seuscabos como firmamento e, em baixo das torres, dois campos de futebol eum lixão onde habitavam os urubus. O já referido caminho das torresligava uma comunidade carente que fica de um lado das torres a outracomunidade carente que fica do outro lado. Alguns chamam este terrenode Faixa de Gaza. Isto é um problema, posto que outras comunidadesreivindicam o direito de usarem com exclusividade o nome Faixa deGaza. Argumentam que as suas Faixas de Gaza são mais perigosas, maisfamosas e, por estes motivos, mais merecedoras do título. Disputa inútil na opinião de Carla, e na de qualquer pessoa sensata,já que tal título não é em nada lisonjeiro. Refere-se ao fato de que ànoite, era comum ver balas traçantes de fuzis cruzarem os céus à cimadas torres. Em resultado disso, muitas eram as manhãs que desvelavamcom os primeiros raios de sol a imagem de corpos desovados no lixão.Os urubus, os corpos, o mau cheiro do lixo, a solidão, estes são osprincipais motivos de Carla ter medo de passar pelo caminho dastorres. O medo diminuía um pouco quando Carla passava por láacompanhada por outras pessoas. Parecia que quanto mais pessoas aacompanhassem, maior a probabilidade de evitar uma hecatombe. Àsvezes, aproveitava a carona do seu tio, que ia de bicicleta para aestação de trens, e atravessava com ele o caminho das torres. Costumava sentar no bagageiro da bicicleta de lado e segurar nabarriga de seu tio. Nessas oportunidades gostava de fechar os olhospara não ver o lixão. Parecia flutuar por sobre toda aquela miséria.Nesses breves momentos sentia-se a pessoa mais importante do mundo,como se estivesse alcançado o paraíso. Um dia estava assim voando baixo, desligada do mundo, quando seu tioque estava correndo numa boa velocidade com a bicicleta, desviou deforma brusca de algo que surgiu inesperadamente no seu caminho esoltou uma exclamação de surpresa em forma de palavra chula. Balançoude um lado para o outro o guidão da bicicleta, quase levando Carla aochão. Por instinto, ela segurou ainda mais forte e cerrou ainda maisos olhos para não ver o tombo que por pouco não levaram. Não era umapedra que estava no meio do caminho e sim o corpo de um homem mortoque foi abandonado ali, quase escondido pelo mato ralo o suficientepara esconder um defunto. Quase que atropelaram o morto. Como já dito,estes são os motivos de Carla ter medo de passar pelo caminho dastorres.

Nenhum comentário:

Postar um comentário