por Jéssica Balbino*
Hoje o hip hop chora, o homem do gueto foi embora. Cantou, pregou, tentou. Não conseguiu. Cansou, não agüentou. Se matou. Mas não se matou assim, de repente, como quem dá um tiro na cabeça, puxa uma corda no pescoço, se atira dum prédio e pronto! Não... O homem do gueto morreu aos poucos, como bom brasileiro que era, pensava que seu lema era “não desistir nunca”. Com dez anos de idade, quando o homem do gueto ainda era um menino, viu o pai se separar da mãe e fugir como um covarde. Alguns anos depois, tomou um tiro de raspão do padastro e carregou a mãe baleada pelo padastro até o hospital. Viu a coroa morrer. Chorou, cansou, mas não desistiu. .Se lembrou das madrugadas em que levantava sob a geada, para apanhar café com a coroa e ajudar a sustentar o lar. Chorou. Mas não desistiu. Agüentou. “Mãe, fique na paz, pois seu filho aqui na terra te ama demais...”, cantou.Pensou que fazer umas letras de rap e cantar para a juventude amenizaria a dor e ajudaria na construção de um país melhor, afinal, o homem do gueto era brasileiro e não poderia, em hipótese alguma, desistir. Queria respeito, dignidade, cantar um rap que abalasse toda a cidade. Não deu. Se fodeu. Leu num livro que não devia se meter com as drogas, mas foi numa balada, uma noite qualquer, cantando um rap, que ficou de barato com a primeira “bola” que dera. O homem do gueto, apesar de ser ele mesmo, também caiu em tentação. Rodou na mão dos “homi”. Acontecia com todos manos mesmo, por que ele seria diferente? Desistiu. Não de viver, mas da maconha. Continuou cantando. Trabalhando. Acordava toda madrugada. “Não sabem como faz frio aqui no gueto dessa cidade de desacerto”, pensava. Mas nem pensava no dia que passava, apenas trabalhava. Quanto tinha 16 anos, o homem do gueto, que ainda era um garoto, arrumou uma garota, conhecida como “mina de fé”, que o acompanhava nas baladas de hip hop, aprovava o rap, e não fazia cara feia para as novas composições. Uma mina que o chamava de homem do gueto. Mas a mina de fé, assim como a mãe do homem do gueto, se apaixonou. Não por ele, mas pelo “vida loka” que morava na esquina da mesma rua. Ele era melhor e tinha “carro do ano”, sem falar que não pagava um veneno no trampo.O homem do gueto chorou de novo. Se cansou, mas não desistiu. No trampo, resolveu chutar o balde, não agüentava mais inveja, cara feia e bronca do patrão. Mesmo com as contas pra acertar, deixou de trabalhar.Se jogou no hip hop. Letras de rap, viagens para São Paulo. “O berço da cultura do gueto no Brasil”. Decepção. Histórias, mais letras. Trabalhos sociais, voluntários, ajudar a molecada mais nova, da rua, da mesma quebrada eram as idéias que martelavam na cabeça do homem do gueto, agora, homem feito, maior de idade.“Periferia mano, é bem diferente, só mano linha de frente”, dizia. Se enganou. Quando mais precisou de ajuda para botar os projetos do bem pra frente, não conseguiu. Em cada porta que batia, era um “não” que recebia. “Por que é tão difícil correr pelo certo?”, pensava. E foi assim, sem emprego, vendo a mina com outro, o pai bebendo como o padastro e quase todos amigos mortos por conta das drogas e do crime que ele morreu. Dia após dia, com a barriga vazia. Morreu fraco. A fraqueza da fome o consumiu e todos que o admiravam hoje choram, o homem do gueto foi embora !
*Jornalista, escritora, palestrante e participante da coletânea Suburbano Convicto - Pelas Periferias do Brasil vol.
Ijessica@pocos-net.com.br
www.jessicabalbino.blogspot.com
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
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