por Jéssica Balbino
Quarta-feira, uma hora da tarde. O trem pára. Estação Jaraguá, zona oeste, São Paulo, capital. Para sair do trem é um sofrimento já que ele está parado muito longe da plataforma e é preciso pular. É mês de julho, inverno. Mas o sol está muito quente. Passa dos 30° C. É preciso caminhar um quarteirão e tomar um ônibus para a Praça Panamericana.Uma praça bonita, porém, sem muito verde. Tem uma pista de skate toda graffitada, denunciando a presença do hip hop por ali.Em frente ao supermercado Panamericano também há vários muros e fachadas de estabelecimentos comerciais exibindo seus graffites. Subindo uma ladeira íngreme dá pra entrar numa viela, cheia de casas próximas. É uma quase-favela. O real retrato do gueto, da periferia. Aliás, estas são as palavras que mais aparecem na literatura ou em qualquer coisa relacionada ao hip hop e são quase endeusadas pelos autores e ativistas.Mas o gueto é ali mesmo, naquelas casas, com seus “muros” de madeira pichados e graffitados, com seus aparelhos de som “top de linha”, contrastando com a pobreza do lugar, e tocando rap no último volume. O rap é a trilha sonora deste pessoal, que encontra nas letras de protesto uma forma de gritar para o mundo, de chamar atenção da sociedade para seus problemas cotidianos. É nesta poesia urbana que eles encontram uma forma de extravasar tudo que lhes oprime.Saindo desta rua, uma escadaria enorme tem de ser enfrentada e os moradores locais reclamam diariamente deste percurso. No topo do morro tem um portão branco e, descendo vários degraus, está à casa de Pow, 28 anos, integrante de um grupo famoso na cena do hip hop paulistano.Ele anda o mais rápido que pode, vai se encontrar com o MC Eduardo, do grupo de rap e vão compor alguns sons para tocar no próximo baile da quebrada. Numa das vielas o cheiro de sangue fresco ainda é forte. São os vestígios de mais uma morte ‘da noite de ontem’. “- Aqui não era para ser um campo de futebol?” perguntam alguns garotos ao se depararem com mais um corpo num dos inúmeros cemitérios clandestinos no meio daquela favela. Pow não liga para os comentários “é só mais um corpo”, pensa. Ele já está acostumado com a cena. “Corpo jogado na vala da periferia é o mesmo que moleque batendo bola no campinho. Faz parte do dia-a-dia”, corre e volta a pensar na letra que está compondo. “Falta alimento em nossas mesas e o país é culpado”, cantarola baixinho. A céu aberto estão covas e corpos, sangue fresco de quem morreu há pouco, e é enterrado ali mesmo, como indigente, com a mãe chorando ao lado. Lágrimas desesperadas, de quem já sabia o futuro do filho.A indiferença está em quem passa. Pode ser conhecido ou não o corpo de quem está numa das valas. Não vale a pena. A bola batendo entre os corpos transforma as covas em mais um campinho de futebol, entre os muitos já existentes nas periferias. Nos jornais, na banca em frente a Praça Panamericana estão os jornais do dia, com manchetes como “Integrante de grupo de rap é morto após confronto com traficantes” ; “Bandido é alvejado no Panamericano” e “Jovem rapper é morto por envolvimento com tráfico”. As fotos, ainda piores que as manchetes, trazem fotos do corpo do jovem em meio às valas e a mãe, chorando ao lado. O menino que queria o campo de futebol prometido sonha a noite, com uma bola nova, um par de chuteiras, e um campo igual ao que ele vê na TV. Mas ele vai ter que esperar, crescer para poder virar ladrão, traficante e respeitado no morro, aí vai poder comprar tudo isso, se ele não morrer e cair na cova de mais um cemitério que poderia virar quadra esportiva.Após enfrentar o morro e chegar em casa, Pow desembrulha a carne que comprou e no jornal vê o corpo do MC Eduardo. O grito em forma de rap ecoa por todas as vielas e chega ao ouvido dos mais desatentos “Falta alimento em nossas mesas e o país é culpado”.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
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